segunda-feira, junho 27, 2011

COM MIL E UMA UTILIDADES

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Franciscarlos Diniz



A palavra "coisa" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma idéia. Coisas do português.

A natureza das coisas: gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há "coisar": "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?".

Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado.
Já as "coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio.
"E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (“Riacho Doce”, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha. Em Olinda, o bloco carnavalesco “Segura a Coisa”tem um baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande, há também o “Segura a Coisinha”.

Na literatura, a "coisa" é coisa antiga. Antiga, mas modernista:
Oswald de Andrade escreveu a crônica “O Coisa” em 1943. “A Coisa” é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu “A Força das Coisas”, e Michel Foucault, “As Palavras e as Coisas”.

Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é chamado de "a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".

Devido lugar

"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)".
A garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca." Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas. Sampa também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).

Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! “A Coisa” virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no
programa “Casseta e Planeta, Urgente!”, Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".

Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira "coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB.

No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: “Disparada”, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras coisasque eu vou contar"), e “A Banda”, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som
Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".

Cheio das coisas

As mesmas coisasCoisa bonitaCoisas do coraçãoCoisas que não se esquece,Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração. Todas essascoisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coisas. Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade (afinal, "são tantascoisinhas miúdas"). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô coisinhatão bonitinha do pai"). “Todas as Coisas e Eu” é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa... Já qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música “Qualquer Coisa”, de Caetano, que canta também: "Algumacoisa está fora da ordem."

Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisaoutra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não me toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisanenhuma.

coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa:
"Agora a coisa vai." Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!

Coisa à toa

Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa à toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema “Eu, Etiqueta”, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisacoisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira "cousa".

Se as pessoas foram feitas para serem amadas e as coisas, para serem usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote umacoisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.

Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em “Canteiros”, baseado no poema “Marcha”, de Cecília Meireles, uma coisa linda. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas".          

ENTENDEU O ESPÍRITO DA COISA?

Se não entendeu, desculpe qualquer coisa.


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Um comentário:

Maria Julia disse...

Esse texto é uma "coisa" de bom!!!!

beijinhos

ps: já peguei meu selo :)

 
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