quarta-feira, agosto 25, 2010

Os ipês-amarelos

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Muitas pessoas levam seus cães para passear; eu levo meus olhos para passear, eles se encantam com tudo



Uma professora me contou esta coisa deliciosa. 


Um inspetor visitava uma escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um menininho respondeu: "O Rubem Alves é um homem que gosta de ipês-amarelos...". A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são aquilo que elas amam.


Mas o menininho não sabia que sou um homem de muitos amores... Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães a passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam! Encantam-se com tudo. Para eles o mundo é assombroso. Gosto também de banho de cachoeira (no verão...), da sensação do vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, do som metálico da viola, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorro, das pinturas de Vermeer (o pintor do filme "Moça com Brinco de Pérola"), de Monet, de Dali, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de jardins, da comida mineira, de conversar à volta da lareira.


Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto, e não para pensarmos nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que estava criando: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo que veem.

Sou místico. Ao contrário dos místicos religiosos que fecham os olhos para verem Deus, a Virgem e os anjos, eu abro bem os meus olhos para ver as frutas e legumes nas bancas das feiras. Cada fruta é um assombro, um milagre. Uma cebola é um milagre. Tanto assim que Neruda escreveu uma ode em seu louvor: "Rosa de água com escamas de cristal...".

Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço fotografias com palavras. Diferentes dos filmes, que exigem tempo para serem vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são fotografias. Escrevo para fazer ver.

Uma das minhas alegrias são os e-mails que recebo de pessoas que me confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo os textos que escrevo. Os adolescentes que parariam desanimados diante de um livro de 200 páginas sentem-se atraídos por um texto pequeno de apenas três páginas. O que escrevo são como aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é muito maior que o comprido. Há poemas que contêm todo um universo.

Mas escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus textos sejam comidos pelos leitores. Mais do que isso: quero que eles sejam comidos de forma prazerosa. Um texto que dá prazer é degustado vagarosamente. São esses os textos que se transformam em carne e sangue, como acontece na eucaristia.

Sei que não me resta muito tempo. Já é crepúsculo. Não tenho medo da morte. O que sinto, na verdade, é tristeza. O mundo é muito bonito! Gostaria de ficar por aqui... Escrever é o meu jeito de ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês-amarelos...


RUBEM ALVES 


Folha de São Paulo - 24/08/2010

Recebi  por e-mail, do Raimundo, do Pato Velho.




5 comentários:

Beth/Lilás disse...

Bom dia, amigaaaa!
Claro que eu tinha que baixar por aqui logo de manhã, afinal quando vi a chamada para o seu post com o ipê amarelo fiquei doidinha, amo esta árvore. Mas o melhor ainda estava por vir, pois quando comecei a ler o texto e vi que era do meu 'ídolo' no momento - Rubem Alves - fiquei tão feliz que você nem imagina. Que beleza de texto! Ele fala por mim, pois sou assim também.
Nada de visualizar virgem, anjinhos barrocos, igrejas, o meu negócio é a natureza e o que ela transmite de divino, de Deus.
Não preciso dizer que ganhei meu dia e vou chamar uma amigona minha para ler o texto também, pois vivo falando de R.Alves para ela.
beijos cariocas

Ana disse...

Que lindo! Bom de ler, de pensar e de levar para vida.
Beijooo!

Odele Souza disse...

Que texto bonito. E que bom saber do que gosta Rubem Alves, além dos Ipês Amarelos. Eu gosto muito de Rubem Alves. E também adoro Ipês - de todas as cores.

Escrever é uma forma de ficar por aqui. É mesmo. Com os textos bonitos que escreve, Rubem Alves sempre estará por aqui.

Beijos pra ti Rosa querida.

Letícia Losekann Coelho disse...

Rosinha, essa história é muito legal! Eu também gosto muito de Ipês :D
Beijos guria!

http://graceolsson.com/blog disse...

arvore e flores lindas..parabéns

 
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