segunda-feira, janeiro 21, 2008

Abalando estruturas

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Quando iniciei este blog, para poder postar no da Ana, tinha me proposto a colocar o que outras pessoas escrevessem, textos, crônicas, etc. Depois virou o que vocês estão acostumados a ver, tem diuntudo.

Gosto muito da Martha Medeiros, já disse isso. Já era pra ter postado esta crônica que saiu dia 13, na Zero Hora.


Mudanças não significam fragilidade de caráter. É preciso ter certa flexibilidade para evoluir e se divertir com a vida. Mais ainda: essa flexibilidade é fundamental para manter a nossa integridade.

Martha Medeiros

Uma amiga minha vive dizendo que odeia amarelo, que prefere tomar cianureto a usar uma roupa amarela. Quem a conhece já a ouviu dizer isso mil vezes, inclusive seu namorado. Pois uns dias atrás ela me contou que esse seu namorado chegou em sua casa e, mesmo os dois estando a uma semana sem se ver, brigaram nos primeiros cinco minutos de conversa e ele foi embora. “Mas o que aconteceu?”, perguntei. “Eu sei lá”, me respondeu ela. “Estávamos morrendo de saudades um do outro, mas começamos a discutir por causa de uma bobagem”. Eu: “Que bobagem?”. Então ela me disse: “Você não vai acreditar, mas ele ficou desconcertado por eu estar usando uma camiseta amarela”.

Ora, ora. Era a oportunidade para eu utilizar meus dons de psicóloga de fundo de quintal. Perguntei para minha amiga: “Quer saber o que eu acho?”. A irresponsável respondeu: “Quero”. Mal sabia ela que eu recém havia assistido a uma palestra sobre as armadilhas da tão prestigiada estabilidade. Arregacei as mangas e mandei ver.

Você está namorando o cara há pouco tempo. Sabemos como funcionam esses primeiros encontros. Cada um vai fornecendo informações para o outro: eu adoro rock, eu tenho alergia a frutos do mar, tenho um irmão com quem não me dou bem, prefiro campo em vez de praia, não gosto de teatro, jamais vou ter uma moto, não uso roupa amarela. A gente então vai guardando cada uma dessas frases num baú imaginário, como se fosse um pequeno tesouro. São os dados secretos de um novo alguém que acaba de entrar em nossa vida. Assim vamos construindo a relação com certa intimidade e segurança, até que um belo dia nosso amor propaga as maravilhas de uma peça de teatro que acabou de assistir, ou sugere 20 dias de férias numa praia deserta, ou usa uma roupa amarela. Pô, como é que dá pra confiar numa criatura dessas?

Pois dá. Aliás, é mais confiável uma criatura dessas do que aquela que se algemou em meia dúzia de “verdades” inabaláveis, que não muda jamais de opinião, que registrou em cartório sua lista de aversões. Vale para essas bobagens de roupa amarela e praia deserta, e vale também para coisas mais sérias, como posicionamentos sobre o amor e o trabalho. Mudanças não significam fragilidade de caráter. É preciso ter certa flexibilidade para evoluir e se divertir com a vida. Mas ainda: essa flexibilidade é fundamental para manter nossa integridade, por mais contraditório que pareça. Vieram-me agora à mente os altos edifícios que são construídos em cidades propensas a terremotos, que mantêm em sua estrutura um componente que permite que eles se movam durante o abalo. Um edifício que balança! Com que propósito? Justamente para não vir abaixo. Se ele não se flexibilizar, a estrutura pode ruir.

O fato de transgredirmos nossas próprias regras só demonstra que estamos conscientes de que a cada dia aprendemos um pouco mais, ou desaprendemos um pouco mais, o que também é amadurecer. Não estamos congelados em vida. Podemos mudar de idéia, podemos nos reapresentar ao mundo, podemos nos olhar no espelho de manhã e dizer: bom dia, muito prazer. Ninguém precisa ficar desconcertado diante de alguém que se desconstrói às vezes.

Eu também não gosto de roupa amarela. Quem abrir meu armário vai encontrar basicamente peças brancas, pretas, cinzas e em algumas tonalidades de verde. No entanto, hoje de manhã saí com um casaco amarelo canário! Tenho há mais de 10 anos e quase nunca usei. Pois hoje saí com ele para dar uma volta e retornei para casa sendo a mesmíssima pessoa, apenas um pouco mais alegre por ter me sentido diferente de mim mesma, o que é vital uma vez ao dia.

Fonte: Jornal “Zero Hora” nº. 15478, 13/1/2008.

5 comentários:

Sonho Meu disse...

Gosto de todas as cores, mas a cor laranja procuro nao usar. Mas talves um dia, voce vai ver uma foto minha com algo nessa cor...mas nem por isso eu deixo de ser eu. hehehehe
bjokas,
me

Luci Lacey disse...

Rosa

As vezes mudamos um gosto, num segundo e as pessoas cobram.

Existem pessoas controlodaros, verdadeiros fiscais.

Por isto o perdao tambem se torna dificil, somos muito criticados quando estendemos a mao.

Beijinhos

Osc@r Luiz disse...

Rosa, querida.
Temos sim que evoluir. Mesmo que isso requeira mudar alguns preceitos que achávamos que jamais mudaríamos.
Fiz um update no post dos prêmios e tem um pra você. Está à sua disposição se quiser.
Um beijo!

Letícia Losekann Coelho disse...

Rosa querida,
amo Martha Medeiros, e só agora me dei conta que tu és Gaúcha!! Adoro Santa Maria, ia bastante quando pequena, meu tio morou alguns anos aí!!!
beijos querida!

Nando Damázio disse...

Oi, Rosa, tudo bem ??
Gostei deste texto, acho que a gente tem que estar sempre aberto a mudanças para se adptar em diversos meios ..
Beijos, té + !! ;-)

 
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